Artigo

Seu bom conselho é uma confissão

Dar nossos pitacos, ou aquele feedback gostoso, parece ser uma ótima forma de contribuir com o outro, né? Mas também é uma confissão. E ter essa clareza, faz toda a diferença.
por Sergio Luciano

Sempre que eu te dou um conselho sobre a melhor coisa a se fazer, eu estou fazendo uma confissão. Uma confissão sobre minha maneira de lidar com as coisas. E isso se estende às opiniões nossas de cada dia.

Às vezes, essa confissão segue o senso comum, do qual compartilho, que seria o melhor a se fazer. Outras, ela é flagrante rebeldia contra esse mesmo senso comum, certo de que o melhor caminho é nadar contra a maré. De certo há nuances entre os extremos que apresento. Muuuitos tons de cinza.

Há como fugir disso? Sinceramente, acho que não. Somos reféns de nossos vieses e frutos de nossa história. Bem como das histórias que nos contamos, que sempre têm o risco de conter um pouco (ou um muito) de imaginação e criatividade. Ou você acha que tudo que tá aí nas suas lembranças são meras descrições do que de fato aconteceu? Ah vá!

Com o tempo comecei a perceber o valor de tentar separar esses meus vieses e confissões, daquilo que é a vida do outro. Não sempre, claro. Eu tento separar. E de vez em sempre essa separação acontece no momento que penso “aaaaai, olha quanta merda já falei sem nem perguntar se era isso que o outro queria”.

Trocando em miúdos: percebo quando já fui capturado nos meus vieses e projeções.

Mas, calma. Isso não é ruim. Não vejo erro, tampouco acerto. Vejo um processo que se desdobra e acontece o tempo todo. Com suas implicações imediatas e/ou contínuas em minha vida e na vida do outro.

Ah. Isso não significa ficar em cima do muro, viu. Significa reconhecer meu lugar sobre, abaixo, ao lado, ou fugindo do muro. Nada mais.

Refletindo aqui, me parece que esse é um dos panos de fundo das tremendas discussões e acusações que aparecem nos comentários no [escolha sua mídia social favorita]. Nos relacionamos com espelhos, e as caixinhas de comentário se tornam nosso confessionário. Sob o doce nome de opinião, explicação, ensinamento para a pobre e ignorante alma do outro lado da telinha, etc. Tem de tudo um pouco.

Isso se estende para as situações em que alguém chega com alguma dor ou problema. Visto a roupa de super herói e lá vou eu com minhas dicas de ouro resolver o problema alheio. Trago a fórmula mágica da paz. O analgésico para o problema e a promessa de superação. O empurrão para o término de uma relação. E por aí vai. Esses são alguns dos infinitos exemplos.

Falamos pelos cotovelos, enquanto nossa escuta atrofia. Línguas afiadas e falantes apontadas para o outro, mas centradas em nós.

No fundo, talvez seja mesmo um conselho ou opinião que o outro espera. E tá tudo bem. Mas, quem sabe ele seja parte de algo maior… tipo estar presente? E o conselho seja um presente a se escolher presentear, e não um imperativo, que já nos primeiros segundos estamos ansiosos esperando para entregar?

Só sei que dá um trabalho danado essa coisa toda de escutar, verificar e ponderar. Fácil, mesmo, é dar com a língua nos dentes. Afinal, a gente pode sempre se desculpar, né? E nossa boa intenção é salvo conduto, carta branca, pois o que de mal há em ser bem intencionado e falar o que não deve?

Em tempo…

Tu te torna eternamente responsável pelo pitaco na vida alheia.

Era assim aquele ditado do livro O Pequeno Príncipe, não? 😂


Terminou a leitura? Então tenho dois convites.

1. Se você tem interesse em lapidar sua capacidade de dialogar de forma propositiva, e fazer escolhas mais conscientes sobre quando dar, ou não dar, seu maravilhoso pitaco, te convido a assinar a Humanize e se aprofundar com a gente.

2. Suas impressões são muito importantes. Que tal ir nos comentários e responder a seguinte pergunta: Antes eu pensava que… (escreva o que pensava antes de ler o texto) ….. agora eu penso que… (escreva o que passou a pensar agora, após a leitura)

Vem se aprofundar com a Humanize!

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Responses

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  1. A sua observação sobre o desejo de dar conselhos da forma que vimos fazendo há séculos, ou seja enquadrando o Outro no meu modelo é pra lá de válida. Antes da CNV eu era mais insensível ao me manifestar. Seguia o padrão com alguma delicadeza, dando minha opinião sobre o fato… olha que ruim. Ou não me manifestava por omissão, medo. Pós CNV encontrei uma trilha lógica e humana para ir me achegando à pessoa. Acho que melhorei muito.
    E o Artigo trouxe essa discussão. Muito bom.

  2. Antes de conhecer a Thayna/CNV, eu pensava q dar os pitacos e opiniões, era um jeito de mostrar a minha utilidade, interesse, consideração e companhia p o outro. Ledo engano! Agora procuro escutar e estar presente, concluí q dar espaço para escutar e acompanhar se torna muito, mas muito mais útil, onde percebo q a pessoa se acalma, organiza a confusão das aflições q habitavam nela, sem q eu precise ficar ilustrando com meu ponto de vista.😃🥳

    1. Bendito seja o momento que conheceu Thayna/CNV. 🥳
      Essa companhia e confiança que o outro tem os recursos, e apoiá-lo no processo de encontrar os recursos, acho muito maravilhoso. Para mim, é respeito ao outro, sabe?
      E, quando tenho vontade de dar meus pitacos, perguntar se ele topa receber, tem sido um exercício de humildade e resiliência. Principalmente quando recebo um NÃO e me frustro achando que eu tinha a melhor ideia do mundo, e me pedem pra ficar quietinho. 😛

  3. Realmente, antes quando as pessoas vinham até a mim para confessar algo ou pedir conselhos eu nem deixava ela terminar e já ia dando minha opinião ou solução. Sem ao menos ouvir ou esperar a pessoa terminar de expressar seu sentimento ou desabafo. Hoje infelizmente por mais que eu me policie ainda me vejo cometendo esse erro da falta de escutar o outro, parece uma cultura que adquirimos durante nossa vida de sempre que estamos em uma situação não podemos sair sem dar nossa opinião.

    1. Legal você colocar essa questão da cultura. De fato, acho que é um aspecto cultural e que nos leva a agir automaticamente. E lidar com esse comportamento tão enraizado, eu acho bem desafiador mesmo.
      Eu gosto de pensar que sempre que percebo que saí dando pitaco automático, é um bom sinal. Outras vezes eu teria feito sem perceber. Então, estou um pouco menos inconsciente, um um pouco mais consciente, de meus gatilhos. E assim vou mudando um pouco de cada vez.

  4. Antes eu pensava que o a humanize seria só mais uma fonte de informação que me agrada. Agora eu penso que eu preciso ser leitora assídua e assinante o quanto antes.

    1. Que massa que ampliamos a ideia de uma fonte de informação que agrada, para algo a fazer parte. É isso mesmo que queremos, um espaço de experimentação e protagonismo de todas e todos. ♥️

  5. Antes eu pensava que meu jeito de fazer algo era o melhor ou o único, por isso tão importante disseminá-lo, mesmo quando não me era pedido um conselho. Hoje eu penso que pouquíssimas vezes há uma única forma de fazer algo “melhor”, e que cada pessoa tem sua forma de agir e de encontrar soluções que lhes pareçam mais adequadas.

    1. Que legal ampliar essa ideia para além da “única e melhor forma”, e valorizar os jeitinho de cada um cuidar de suas próprias questões. E poder perguntar se o outro topa escutar o que tenho para trazer tem sido um exercício bacana. Principalmente quando esse outro diz NÃO, pois aí eu preciso aprender a lidar com o fato de minha “melhor ideia” não ser bem-vinda. 😅

  6. Antes eu pensava que se alguém vinha me contar algo sobre suas experiencias e desafios queria necessariamente ouvir um conselho ou algo que viesse a ajudá-la. Agora penso que posso simplesmente só escutá-la e com isso, ela mesma poder se ouvir e a partir daí, fazer suas próprias conclusões e tomar suas próprias decisões. Uma escuta com presença inteira e verdadeira é capaz de acalmar corações e trazer luz para o que ainda não se vê.

    1. Que massa você trazer sobre a possibilidade de sermos um apoio e mantermos o outro como protagonista da própria vida, ao invés de querermos tomar o volante. Acho desafiador, principalmente quando é alguém mais próximo e com quem me importo bastante. Mas é um desafio que tem valido a pena enfrentar por aqui.

  7. Gostei do tema e me identifiquei. Estou me empenhando em não dar conselhos a ninguém, o tal do feedback inclusive porque se a pessoa quiser ,ela pede.E um grande alívio pensar que não preciso aconselhar ninguém.E dificil olhar para trás e ver que fui essa pessoa chata que se achava importante. Ofertar o silêncio e a escuta e um presente.

    1. Oi Luciana, bacana saber que é um empenho que você tem. Esse alívio de não precisar “carregar o fardo” de opinar sobre tudo, e sobre a vida alheia, é maravilhoso, pra mim. Traz muita leveza mesmo.

  8. Antes eu pensava que a minha verdade continha uma fórmula mágica para solucionar o problema do outro. Agora penso que a minha verdade só diz respeito a mim porque, assim como o outro, possuo uma existência única.

    1. Que legal você trazer esse lance da existência única, Liviane. Para nós esse é um dos grandes desafios e presentes, mesmo. Reconhecer e criar espaço para sermos únicos juntos, e viver uma profunda diversidade.